Bernardo,
Você devia ter entre seis ou sete meses, eu te carregava grudadinho em meu corpo, no que se chamava de bebê-canguru. Era uma tarde de domingo, e isso eu me lembro bem porque havia uma feira no caminho que percorríamos até o parque.
Parei para comprar meia dúzia de bananas quando um mendigo se aproximou de nós. Eu já ia me esquivando pois, certamente o homem pediria dinheiro.
E essa foi a primeira frase dele - "Moça, eu não quero dinheiro não. Deixa só eu olhar o seu bebê".
Aquele homem sujo, grande, de feições abrutalhadas, barba enorme, cabelo desgrenhado, fétido, cheio de roupas sobrepostas, falou-nos com tal suavidade na voz... deixa só eu olhar o seu bebê.
Os olhos que compunham uma face sulcada de rugas e sofrimentos, tinham uma luz e ele foi trazendo uma delicadeza para seus gestos, as mãos, a cabeça que se inclinava para te olhar melhor, o corpo todo que pareceu apequenar-se para estar perto de você.
Foi então que ele me pediu - "Moça, posso colocar a mão na cabecinha dele?"
Palavras não dão conta de descrever aquela mão, uma mão grande, suja e tão cheia de amor que foi se deslocando tão suave pelo ar e pousou em sua cabecinha.
Você riu enquanto eu reparava no contraste do teu cabelo castanho-claro com as unhas imundas daquele homem.
Filho, ele transbordou do coração uma bênção tão linda, tão profunda. Aquela mão banhou-te com a mais pura e verdadeira luz.
Você sorriu novamente.
Ele demorou-se um tempo, esse tempo que a gente nem consegue medir, com a mão em tua cabecinha e depois, num gesto abrupto, tirou a mão e a levou em um bolso do paletó esfarrapado.
Ofereceu-te uma nota de dez reais. Que eu aceitasse o presente.
( Isso já tem dezessete anos e, dezessete anos atrás, dez reais valia muito dinheiro. Comprei para você um brinquedo da fisher-price )
Bem, assim que ergueu aquela nota em minha direção eu a recusei imediatamente. Parecia-me tão surreal um mendigo entregar algo que certamente lhe faria falta.
Mas havia tanto afeto naquele gesto. Compra um presente para ele, moça - ele me pediu.
Senti que deveria aceitar, e assim o fiz.
O homem se foi. Havia uma luz nele. Ele se foi e nos deixou inundados em uma paz. Aquele coração, pulsando na aparência de um mendigo, deixou-nos uma marca de amor.
Bernardo, o amor tem tantas formas, tantas aparências. Ele é abundante em nossas vidas, é infinito, uma fonte inesgotável.
Há uma bela definição de bênção descrita por Pierre Pradervand:
"Bênção significa desejar e querer incondicionalmente - totalmente e sem reservas - o bem ilimitado, para os outros e para os eventos da vida, fazendo-o emergir das fontes mais profundas e íntimas do nosso ser".
Filho, jamais de esqueça que um mendigo te ensinou uma profunda lição de amor.
Que você possa seguir a vida transbordando amor e bênçãos, não só pelas pessoas que lhe são caras, mas por toda a nossa família humana.
Quando você atravessar momentos turbulentos e doloridos, lembre-se dessa história. É mais do que uma história. É uma bênção que vive dentro de você.
________________________________________
Júlia,
Estou novamente grávida de você. É exatamente assim que me sinto. Vou dar-te à luz e desta vez você não virá para meus braços, para meu seio. O mundo é que te espera.
Dia desses, você estava a limpar nossa estante e ao remexer nos teus livros me disse que você estava mesmo precisando de uma estante só tua e logo sentenciou: "Logo eu vou morar sozinha e aí terei a minha estante".
Eu sorri. Ah filha... esse é um sorriso que guarda por dentro um tanto de dor. Um sorriso que compreende, mas não esconde que é difícil parir para o mundo.
É que o mundo não é só quentinho feito colo de mãe. Ele tem suas asperezas também e eu queria proteger-te delas para sempre.
Sabe, olhando para você enquanto limpava a estante e divagava em sonhos, eu me lembrei de gatinhos. Tive muitos filhotes na minha infância. Colocava-os em caixa de papelão e à medida em que iam crescendo, começavam a escalar a caixa. Inicialmente não conseguiam, mas logo pegavam habilidade e conseguiam saltar de dentro dela.
Assim te vejo, como um filhote de felino numa caixa de papelão. Logo chegará o tempo em que será inevitável o teu salto.
Os sonhos, os teus sonhos são tão bonitos que é notável que busquem cada vez mais espaço para que se realizem.
Aprender, nós nunca deixaremos de aprender; quem o faz sufoca a vida. Há muito o que aprender ainda, você, eu, porém sinto que a bagagem que você levará no teu nascimento para esse mundo além do nosso - mãe e filha - é uma boa bagagem e isso me tranquiliza, porque confio que você se sairá bem.
As asperezas, bem, elas realmente existem. Ir para os braços do mundo não significa que você não possa voltar. Pode sim! E meus braços, meu colo, embora estejam ficando pequenos no sentido puramente de medidas, sempre estarão prontos a te acolher filha!
Blogagem coletiva organizada pelas meninas Tê do blog Bolhinhas de Sabão para Maria e Cris do Prosa de Mãe.
Você devia ter entre seis ou sete meses, eu te carregava grudadinho em meu corpo, no que se chamava de bebê-canguru. Era uma tarde de domingo, e isso eu me lembro bem porque havia uma feira no caminho que percorríamos até o parque.
Parei para comprar meia dúzia de bananas quando um mendigo se aproximou de nós. Eu já ia me esquivando pois, certamente o homem pediria dinheiro.
E essa foi a primeira frase dele - "Moça, eu não quero dinheiro não. Deixa só eu olhar o seu bebê".
Aquele homem sujo, grande, de feições abrutalhadas, barba enorme, cabelo desgrenhado, fétido, cheio de roupas sobrepostas, falou-nos com tal suavidade na voz... deixa só eu olhar o seu bebê.
Os olhos que compunham uma face sulcada de rugas e sofrimentos, tinham uma luz e ele foi trazendo uma delicadeza para seus gestos, as mãos, a cabeça que se inclinava para te olhar melhor, o corpo todo que pareceu apequenar-se para estar perto de você.
Foi então que ele me pediu - "Moça, posso colocar a mão na cabecinha dele?"
Palavras não dão conta de descrever aquela mão, uma mão grande, suja e tão cheia de amor que foi se deslocando tão suave pelo ar e pousou em sua cabecinha.
Você riu enquanto eu reparava no contraste do teu cabelo castanho-claro com as unhas imundas daquele homem.
Filho, ele transbordou do coração uma bênção tão linda, tão profunda. Aquela mão banhou-te com a mais pura e verdadeira luz.
Você sorriu novamente.
Ele demorou-se um tempo, esse tempo que a gente nem consegue medir, com a mão em tua cabecinha e depois, num gesto abrupto, tirou a mão e a levou em um bolso do paletó esfarrapado.
Ofereceu-te uma nota de dez reais. Que eu aceitasse o presente.
( Isso já tem dezessete anos e, dezessete anos atrás, dez reais valia muito dinheiro. Comprei para você um brinquedo da fisher-price )
Bem, assim que ergueu aquela nota em minha direção eu a recusei imediatamente. Parecia-me tão surreal um mendigo entregar algo que certamente lhe faria falta.
Mas havia tanto afeto naquele gesto. Compra um presente para ele, moça - ele me pediu.
Senti que deveria aceitar, e assim o fiz.
O homem se foi. Havia uma luz nele. Ele se foi e nos deixou inundados em uma paz. Aquele coração, pulsando na aparência de um mendigo, deixou-nos uma marca de amor.
Bernardo, o amor tem tantas formas, tantas aparências. Ele é abundante em nossas vidas, é infinito, uma fonte inesgotável.
Há uma bela definição de bênção descrita por Pierre Pradervand:
"Bênção significa desejar e querer incondicionalmente - totalmente e sem reservas - o bem ilimitado, para os outros e para os eventos da vida, fazendo-o emergir das fontes mais profundas e íntimas do nosso ser".
Filho, jamais de esqueça que um mendigo te ensinou uma profunda lição de amor.
Que você possa seguir a vida transbordando amor e bênçãos, não só pelas pessoas que lhe são caras, mas por toda a nossa família humana.
Quando você atravessar momentos turbulentos e doloridos, lembre-se dessa história. É mais do que uma história. É uma bênção que vive dentro de você.
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Júlia,
Estou novamente grávida de você. É exatamente assim que me sinto. Vou dar-te à luz e desta vez você não virá para meus braços, para meu seio. O mundo é que te espera.
Dia desses, você estava a limpar nossa estante e ao remexer nos teus livros me disse que você estava mesmo precisando de uma estante só tua e logo sentenciou: "Logo eu vou morar sozinha e aí terei a minha estante".
Eu sorri. Ah filha... esse é um sorriso que guarda por dentro um tanto de dor. Um sorriso que compreende, mas não esconde que é difícil parir para o mundo.
É que o mundo não é só quentinho feito colo de mãe. Ele tem suas asperezas também e eu queria proteger-te delas para sempre.
Sabe, olhando para você enquanto limpava a estante e divagava em sonhos, eu me lembrei de gatinhos. Tive muitos filhotes na minha infância. Colocava-os em caixa de papelão e à medida em que iam crescendo, começavam a escalar a caixa. Inicialmente não conseguiam, mas logo pegavam habilidade e conseguiam saltar de dentro dela.
Assim te vejo, como um filhote de felino numa caixa de papelão. Logo chegará o tempo em que será inevitável o teu salto.
Os sonhos, os teus sonhos são tão bonitos que é notável que busquem cada vez mais espaço para que se realizem.
Aprender, nós nunca deixaremos de aprender; quem o faz sufoca a vida. Há muito o que aprender ainda, você, eu, porém sinto que a bagagem que você levará no teu nascimento para esse mundo além do nosso - mãe e filha - é uma boa bagagem e isso me tranquiliza, porque confio que você se sairá bem.
As asperezas, bem, elas realmente existem. Ir para os braços do mundo não significa que você não possa voltar. Pode sim! E meus braços, meu colo, embora estejam ficando pequenos no sentido puramente de medidas, sempre estarão prontos a te acolher filha!
O teu cantinho filha!
Jú, para finalizar quero que você guarde, que sempre reflita sobre um ensinamento que vou deixar aqui nesta carta.
"A vida é como um piquenique em uma tarde de domingo - ela não dura muito tempo. Só olhar o sol, sentir o perfume das flores ou respirar o ar puro já é uma alegria. Mas se tudo o que fazemos é ficar discutindo onde pôr a toalha, quem vai sentar em que canto, quem vai ficar com o peito ou a coxa do frango..., que desperdício! Mais cedo ou mais tarde o tempo fecha, a tarde cai e o piquenique acaba. E tudo o que fizemos foi ficar discutindo e implicando uns com os outros. Pense em tudo que se perdeu.
Se trouxermos à nossa vida a maturidade de saber que tudo é impermanente, vamos ver que nossas experiências serão mais ricas, nossos relacionamentos mais sinceros, e teremos maior apreciação por tudo aquilo que já desfrutamos."
Chagdug Tulku Rinpoche
Blogagem coletiva organizada pelas meninas Tê do blog Bolhinhas de Sabão para Maria e Cris do Prosa de Mãe.
Bom dia, Ana Paula!
ResponderExcluirViajei no tempo com você, Bernardo e Júlia. Passado, presente e futuro passam por duas escolhas essenciais: o amor no centro do coração e a humildade plena e profunda.
Com a carta para Bernardo, levo comigo a lição: mesmo para quem vive numa noite eterna, a esperança é a última que morre e existe mesmo na ressurreição.
Com a carta para Júlia, um olhar na direção que vê que ser feliz é simples. Não tem complicação nenhuma. É apenas reconhecer-se. Enfrentar as lutas da vida com a certeza de que nunca se está sozinho.
Com ambas as cartas, me emocionei.
Beijo!
Renata e Laura
Respirando fundo pra me recuperar das emoções aqui... O que dizer A imagem daquele mendigo que veio certeiro pra encontrar Bernardo, pra mim, chegou com uma missão vindo do Alto. E o final surpreendente em esticar uma nota de 10 reais? Marcante. Lição de benção e muiiiiiita LUZ!
ResponderExcluirQuanto à Julia, essa fase é danada e quando vemos que pensam já num futuro assim, na sua própria casa nos faz tremer, mas por outro lado, sabemos assim mesmo ser. ADOREI e aplaudo em pé. Meu beijo pra vocês três! Lindas fotos, um doce! beijos, chica
Oi Ana, nem sei por onde começar!
ResponderExcluirQuanta lição há aqui... e quanta emoção e aquela dorzinha no fundo do coração na carta pra Júlia!
Alias essa BC de hoje está me matando rs
Ana, podemos ver na carta ao Bernardo toda a simplicidade da vida! O tanto que temos a oferecer aos outros mesmo "nada tendo"...
Não dá pra acreditar em tal gesto daquele mendigo... gesto esse que nos deixa pequenos diante da grandeza da vida!
E Júlia.. vi Maria ali...doeu no fundo do coração as palavras dela de um dia partir e as fotos com suas coisas... A vida poderia nos preparar melhor.. .Senti o que se passa dentro do seu coração de mãe..
Mas como disse no blog da Chica... doi, mas é o necessário partir...
Obrigada por essa riqueza de post Ana... finalizando maravilhosamente com esses pensamentos dos escritores citados acima..
Gratidão..
Beijos grandes
Tê e Maria ♥
Amiga querida... li sua postagem com lágrimas nos olhos...
ResponderExcluirCom o coração apertado.... que creio que esse é o seu sentimento ao ver seus passarinhos a voar.
Me emocionei com o presente inusitado do Bernardo de alguém que jamais poderíamos imaginar... me emocionei também com a caixa de papelão os filhotes de gatinhos... ah amiga... vi dentre eles a Júlia e tb ao meu menino...
Como temos que prepará-los para o mundo, para o novo... E como precisamos tb estar prontas, fortes e maduras pra entender as partidas.
Fiquei imaginando aqui que tudo isso foi num turbilhão de ontem, depois do nosso bate papo, mas, foi tão rico... tão intenso, que saio da sua postagem grata por essa blogagem ter nos unido.
Grande beijo e braço apertado!!
Cris
Aninha, você me fez chorar!
ResponderExcluirLinda postagem, que até transbordei.
Ana, emocionante essa experiência com Bernardo. Sinto que Deus veio pessoalmente abençoar o Bernardo, a família... E se você tivesse se deixado levar pelas aparências, talvez não tivesse recebido tamanha luz...
Amei suas palavras, as vezes precisamos ver além de nossas próprias percepções e desejos, seja o mendigo que veio abençoar Bernardo, seja a Júlia que tem um caminho a trilhar, desbravar e explorar no mundo...
Sua carta é maravilhosa, por ressalta algo que acredito, que é ver além dos olhos naturais, e investir tempo no essencial, sem se perder com bobagens.... Muitas vezes a gente se preocupa com coisas tão pequenas, e perdemos o melhor da vida, que é a própria vida!
Beijinhos doces,
Ju
"... O amor tem tantas formas, tantas aparências"...
ResponderExcluirBoa tarde de serenidade, querida amiga Ana Paula!
O fato de ter escrito duas cartas a cada filho separadamente pode denotar a singularidade que tem por cada um em particular.... é muito comum em nós, mães..
A do seu filho, é uma emoção de arrancar lágrimas, querida.
Abençoar até a quem nos ofenda é um ato de muita sabedoria e Amor. Que dirá um que nos abençoe, quem abençoa ao filho, a nós também o faz.
O homem humilde e mal cheiroso foi um instrumento divino e eu tive, por duas vezes já, uma maldição de duas pessoas, sei como é ruim o contrário, porém Deus é muito maior do que tudo que bocas bem vestidas e perfumadas por fora proferem, certamente.
Parabéns pela linda carta ao filhão.
Quanto à da filha amada, tive que rir além de me emocionar, a minha adora felinos e você os mencionou na carta....
Atualmente tem 5...
Quanto ao que mais me tocou em sua carta:
Um sorriso que compreende, mas não esconde que é difícil parir para o mundo.
Assim eu senti e compreendi que é o que se passa no coração de uma mãe de menina..
Nem quero falar muito para não chorar, amiga.
Vê-la mãe de flhos já é uma bênção imensa.
Elas crescem e nós sempre de braços abertos para quando voltarem.... em toda circunstância e tempo. , bem assim.
O pensamento mensagem do final é lindo.... sem palavras.
Tenha dias abençoados!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
Ana Paula,
ResponderExcluirEscorreu uma lágrima enquanto te lia. Duas cartas carregadas de emoçao e ensinamentos.
Filhos são bençõs em nossa vida e nos proporcionam inúmeros aprendizados.
Um abraço,
Sônia
Bernado e Julia tem de que se orgulhar.
ResponderExcluirLindas cartas. As duas direta ao assunto com historias marcantes e pensamentos de fora do ninho em bela analogisa
Que maravilhoso encontro com este ser guiado para lhe abençoo.. Muito emocionante Paula.
Bela participação.
Beijo paz amiga