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Uma imensa família

São dez horas da noite de domingo, 13 de janeiro de 2018.
Os barulhos que você, meu filho, espalhava pela casa, estão ausentes.
A geladeira, o pote de iogurte natural sendo aberto, o pacote de aveia, a colher de plástico colorido que trouxemos de uma sorveteria revirando os sabores e texturas com o som da tv ao fundo se misturando com minha fala sonolenta de "não vai dormir tarde hein?".
E eu, que ainda no domingo passado fui dormir cedo, como de hábito, hoje nesse domingo, treze de janeiro, cedi lugar dentro dos meus olhos: a sonolência cedeu lugar para um tanto de lágrimas.
"Nem sempre lágrimas são só de tristeza meu amor"- assim me disse marido lá do seu trabalho,no comecinho da noite. Ele que hoje teve suas lentes de contato expulsas pela multiplicidade de lágrimas que lhe inundaram sem titubeios. Estamos segurando apertado nossas mãos e nossos corações.  

Pela manhã deixamos nosso filho na instituição que estudará ( deixamos é maneira de dizer, porque eu não tive coragem e não fui; marido o fez). Juntou-se nosso filho a mais de cem outros, que certamente também fizeram olhos transbordarem...
Nossos filhos, nossos meninos e meninas ( porque agora assim nos sentimos, unidos nesta mistura de alegria e ausências, uma grande família, uma enorme família ) passarão durante essa semana pela inspeção de saúde, antes de serem definitivamente admitidos para cursarem a faculdade.
Será uma semana especialmente difícil e aflitiva, porque muitos garotos e garotas serão eliminados por conta desses exames e seguirá então a jornada com advogados, ações, mas isso a gente deixa para depois.

Por ora, tarde da hora aliás, é a falta do seu riso, seus comentários sobre o futebol, tua voz me pedindo a bênção para dormir.
E quando as lágrimas ficam querendo saltar da alegria para a saudade que dói, a gente lembra do pai do Luciano que amanhã volta para Góias; tem também aquele senhor que conversou, misturando alegria e timidez e deixou a mão cheia de calos apertar a mão de meu marido, dizendo que partia hoje para o interior de Rondônia. Uma vida de sacrifícios para estudar o filho.

Você meu filho não está no quarto ao lado do meu, mas está ali no bairro vizinho e isso afrouxa um pouco mais o aperto do coração.
Tem também a caravana do Ceará, quantas mães de Fortaleza por aqui, trazendo e deixando suas preciosidades!

Li algo lindo hoje pela manhã que dizia que nossas asas de pais, avós, padrinhos, tias, já não lhes servem mais e por isso vocês ganham suas próprias asas.

Eu queria encontrar uma palavra, uma sensação que pudesse descrever o que vai dentro de meu peito. Uma única palavra, mas não encontrei.
Lembrei-me de quando você era um bebê nos meses iniciais da vida e eu tive que me ausentar um dia todo para resolver todas as burocracias relacionadas à minha decisão de deixar de trabalhar. Como o trajeto era longo, um janeiro abafado e tempestuoso, deixei-o aos cuidados de uma querida senhora que me orientou a tirar o meu leite e que eu fosse tranquila que o bebê estaria bem cuidado.

Perceber-me sem você em meus braços, colado em meu peito, trouxe-me uma estranha leveza que era na verdade falta, que também podia ser definido como vazio.
Meu peito hoje está começando a aprender como conviver com a imensa alegria de ver um filho conquistando seus sonhos e o jeito novo de sentir na distância.

Estou tão feliz por você meu filho, e também pelos filhos e filhas de tantas outras pessoas que eu nem conheço mas bem sei que do esforço e da dedicação de todos.

Durmam todos muito bem! Bênçãos e paz a todos nós!

Comentários

  1. Chica, vou aguardar as palavras de quem fez voar tantas asas e cuida tão bem de asinhas que logo alçarão voo!

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  2. Ana Paula, aqui cedinho ,na praia...O "povo da casa" quase acordando e te li, emocionada, pois tenho asas espalhadas no mundo. E como as asas dos filhos do Gordo também cresceram e eles voaram, Gordo agora no seu tempo de folga, deve estar lá para esperar os filhos a cada feriado ou férias.Assim, ,cada vez mais longe ficou pra nós essa tal de Dubai,rs...E Gordo nela!1 Pena, mas é a vida e DA vida!

    Senti toda tua emoção e me emocionei aqui... É bem assim! Nos alegramos com as conquistas,mas choramos por dentro(e por fora!!!)
    Desejo a maior sorte nessa semana de exames.Tudo dará certo! Sentirás o vazio,claro. Mas saberás enfrentá-lo com o teu coração cheio de amor, pois parece que a vida nos testa!! Suportaremos? Sim,,,E muiiiiiiiitas emoções estão sempre reservadas! Boa sorte pro nosso gurizinho querido!!! Força pra vocês que ainda bem, estão com ele bem mais pertinho do que aqueles outros pais e mães!...
    beijos praianos, chica

    ResponderExcluir
  3. Ana, não só você, mas eu também não pude deixar de encher os olhos dágua... E como não? Quem é mãe sente na pele a saudade de outra mãe...
    Mas olha só, a gente acaba se consolando com outras situações, outros pais ali em situação mais aflitiva , e esses pais com certeza se consolam com outros..

    É amiga, a vida é um ciclo, um clico que não dá para parar... e a gente? Só tem que torcer, se alegrar e claro, carregar sempre essa doce e profunda saudade...

    Tenho certeza que ele está bem... Lembre-se que do muito pra você, ele também sente falta, mas ele está vivendo tudo que deveria viver nessa idade e isso é muito importante pra ele...

    Fique bem!

    Meu abraço apertado... (nem quero pensar na minha vez)

    Beijos

    Tê e Maria ♥

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