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A simplicidade do perdão na maternidade

"Anthony Ray Hinton passou trinta anos no corredor da morte por um crime que não cometeu. Ele estava trabalhando em uma fábrica trancada na hora do crime do qual foi acusado. Ao ser preso no estado do Alabama, foi informado pelos policiais que ia para a cadeia porque era negro. Ele passou trinta anos em uma cela minúscula, e só podia sair uma hora por dia. Durante o tempo que passou no corredor da morte, Hinton se tornou conselheiro e amigo não apenas dos outros prisioneiros, 54 dos quais foram mortos, mas do guardas também, muitos dos quais imploraram que o advogado de Hinton o tirasse de lá.

Quando uma decisão unânime da Suprema Corte ordenou sua soltura, ele finalmente estava livre para sair. 

“Uma pessoa não sabe o valor da liberdade até que ela lhe seja tirada”, disse-me ele. “As pessoas correm para fugir da chuva. Eu corro para a chuva. Como poderia uma coisa que vem do céu não ser preciosa? Tendo sido privado da chuva por tantos anos, sou grato por cada gota. Apenas por ter a sensação dela no meu rosto.”

Quando Hinton foi entrevistado no programa de TV 60 minutes, o entrevistador lhe perguntou se ele tinha raiva daqueles que o tinham colocado na prisão. Ele respondeu que tinha perdoado todas as pessoas que o mandaram para lá. O entrevistador, incrédulo, perguntou:

“Mas eles tiraram trinta anos da sua vida – como é possível que você não sinta raiva?”

Hinton respondeu:

“Se eu ficar com raiva e não os perdoar, eles terão tirado também o resto da minha vida.”

“Não é o mundo que lhe dá contentamento, então o mundo não pode tirá-lo de você. Você pode permitir que as pessoas entrem na sua vida e a destruam, mas eu me recusei a permitir que alguém tirasse o meu contentamento. Eu me levanto de manhã, e não preciso que ninguém me faça rir. Eu vou rir sozinho, porque fui abençoado com a possibilidade de ver outro dia, e, quando você recebe essa benção, ela deveria ser o suficiente para lhe dar contentamento.

“Eu não saio por aí dizendo: ‘Cara, não tenho um tostão no bolso’. Eu não ligo para ter um tostão no bolso, mas eu ligo para o fato de ser abençoado e poder ver o sol nascer. Você sabe quantas pessoas tinham dinheiro mas não acordaram esta manhã? (...) A minha mãe nunca nos criou para sair pelo mundo e ganhar o máximo de dinheiro que conseguíssemos. Minha mãe nos ensinou sobre a verdadeira felicidade. Ela nos disse que, quando estamos felizes, quando as pessoas ficam com você, elas também ficam felizes.

Posso dizer que sou feliz porque escolho ser feliz.”



(citado por Douglas Abrams em “Contentamento” – págs 213 a 215. Ed. Principium – 1ª edição)




Escolhi uma, de muitas histórias tocantes de perdão sobre as quais eu me debrucei para contemplar. E antes de escrever o texto desta blogagem, eu quero agradecer, abraçar as meninas Tê e Cris, do Prosa de Mãe e Bolhinhas de Sabão para Maria, por trazerem este tema do perdão, um tema tão lindo, tão sensível e tão necessário e por vezes, difícil. Uma alegria poder participar de mais uma conversa Na Casa da Vizinha. Sei que vou aprender muito nessa interação!



Como eu disse acima, eu aproveitei essa oportunidade trazida pela blogagem para mergulhar um pouquinho mais na profundidade do perdão. Havia um vídeo que há tempos eu queria assistir e assim o fiz. Histórias intensas e comoventes de perdão. Só para citar um exemplo, uma família que se divide no feriado de ação de graças. Pai e filha vão para um outro país para seus compromissos religiosos. A mãe viaja para uma cidade vizinha a ficar com o filho. Um telefonema informa que pai e filha sofreram um atentado e morreram. Assim que ligam a tv, mãe e filho veem o jovem terrorista que cometeu o atentado. 
Ela se aproxima da tela, olha fixo e diz: tão jovem você, tão jovem como o meu filho aqui do meu lado. E nesse momento o perdão surgiu em seu coração. Ela perdoou o assassino.

A escolha do título para essa interação não poderia ter sido mais auspiciosa!
A simplicidade do perdão.

Sinto o perdão como um caminho, uma longa caminhada talvez para a maioria.

O perdão nessas histórias que eu trouxe, para mim, hoje, acredito não ser possível. É um perdão que eu ainda vejo como complexo, difícil.

E a maternidade pode ser um começo dessa caminhada em que o nosso perdão vai sendo lapidado.

Tão simples o perdão na maternidade, que podemos sequer percebê-lo!

Nas descobertas de um bebê...

Um bibelô que temos tanto apreço, quebra-se. Claro que há um perdão ali! Algo jogado no chão, um fruta, uma comida. 
Uma birra em público... e assim nestas pequenas coisas, atitudes, comportamentos a gente vai perdoando numa simplicidade imensa.

Já maiores e com mais interação conosco, muitas vezes é a criança que irá nos perdoar. Uma fala mais dura, um dia não tão bom e que acaba refletido numa maneira ríspida de tratar, ou mesmo de não ouvir com atenção.

Penso que bem antigamente, onde a criação dos filhos era muito severa, sequer se pensava nos pais pedindo perdão.
Ainda bem que tudo mudou e podemos hoje ser flexíveis, reconhecer que não somos perfeitos e principalmente que nossa autoridade não será esvaziada se pedirmos perdão ao nosso filho.

E nas crianças tudo é tão cheio de simplicidade. Precisamos aprender com elas!

Aqui em casa, quando os meus eram menores e haviam constantemente brigas de irmãos, inicialmente eu exigia que um pedisse desculpas ao outro. Logo percebi que "as desculpas" estavam sendo apenas da boca para fora, num automatismo.

Então mudei de estratégia: parava, e ajudava a refletir o quanto aquela atitude magoava o outro irmão. Colocar-se no lugar do outro e ficou melhor.

O meu pedido de perdão também o fiz por várias vezes. Consigo perceber quando minha atitude ríspida é por algo que estou passando, ou que aconteceu e que não tem necessariamente a ver com os filhos. É realmente um descontar em cima deles. Reconhecer e pedir perdão, expõe nossa humanidade, nossa fragilidade.

Importante que as crianças nos vejam também em momentos frágeis. Elas aprendem com isso e presenciar e conceder esse perdão é uma vivência muito bonita.

Eles precisarão perdoar ao longo da vida - um colega de escola, de trabalho, um casamento exige que o perdão aconteça.

Nessa quarentena, li uma postagem que me chamou a atenção. Dizia algo mais ou menos assim:

"Imagine ela, servindo o café na xícara dele com mágoas e rancores guardados há trinta anos de casados e agora na quarentena estão lá, o café, a xícara, as mágoas do que aconteceu lá no início".

As situações podem ser difíceis, mas reparem como as crianças não guardam essa mágoa por muito tempo. Podem até ficar emburradas, mas de repente, já estão rindo.

Sinto que o perdão pede também que exercitemos a humildade. Humildade de reconhecer um erro, uma falha.

A maternidade é um solo fértil para semearmos as boas sementes do perdão. Tudo acontece de maneira simples, na maioria das vezes com leveza e assim podemos ampliar nosso coração para que o perdão possa também se expandir na própria família, pois poderemos ter momentos mais difíceis entre nós. E através dessa simplicidade poderemos alcançar esses níveis tão belos de perdão que muitas histórias, embora tristes, nos ensinam que ao final, o perdão é fonte de alegria.


















Comentários

  1. Com insônia, resolvi vir ao computador e adorei tudo o que li. As histórias de perdão sempre são fortes e mexem conosco. E a tua forma de escrever sobre ele foi fantástica. Gostei que lembraste que não é fácil., é um aprendizado,.Também falaste que é bom que os filhos vejam nossas fragilidades e que somos humanas e como tal. erramos e nos damos conta dos erros, por isso sabemos pedir perdão! Impecável, do início ao fim. E a foto, um show! Beleza! beijos pra vocês e tudo de bom, chica.

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  2. Querida Ana, como aprofundaste esse tema... Eu me comovi com a primeira história... O perdão é uma libertação de si mesmo, já li um plano bíblico que fiquei impactada na forma da abordagem, da prisão invisível posta por nós mesmas.
    O tema é incrível, na prática é doído. A gente romantiza na maternidade, mas sabe bem o quanto é custoso o perdão em algum momentos...
    O aprendizado do erro, das falhas sejam nossas ou dos nossos.
    Mas, creio que o amor... Esse supera barreiras e o afago logo é o que nos traz pra perto.
    Amei sua abordagem.
    Obrigada por sempre participar conosco.
    Bjs, Cris

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  3. Bom. Dia de paz e esperança, querida amiga Ana!.
    Adoro ler histórias assim de relevância.
    O que mais me marcou aqui e falou fundo ao meu 💙 é o fato de se servir um café com a carga de 30 anos de mágoas. Que café mais amargo! Deve fazer tanto mal que seria preferido fazer cada um seu próprio café.
    Muito forte este exemplo. Reflexivo seu post que adorei.
    Aderi à BC com muito gosto pois há anos conheço Renata, Chica, Ana Paula, e Te. Também gosto muito de Ju. Ter você no rol das amigas também será ótimo, certamente.
    Tenha dias abençoados!
    Bjm carinhoso e fraterno

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    Respostas
    1. P..S. estou rindo aqui pois você é na antiga amiga Ana Paula. 🤩🤩🤩.
      Nem me dei conta do blog
      Estamos juntas
      Bjm 🌻😘🙏

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  4. Bom dia, Ana Paula!

    Concordo, e já disse lá na Teresinha que ser mãe é ter removido o egoísmo e vaidades, o que torna o terreno fértil para o perdão.

    À duras penas aprendi que o perdão é possível. Inclusive nas situações mais horríveis deste mundo. Há 6 anos, na escola do divórcio, aprendi a perdoar qualquer coisa. E aprendi simplesmente mudando o foco, priorizando quem era realmente importante na minha vida. Laura foi minha maior "mola propulsora" para este aprendizado! A melhor vitamina que tomei, me protegeu para que eu a pudesse proteger! É assim, inexplicável. Quando vê, aconteceu libertador.

    Beijo!!

    Renata e Laura

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  5. Ana, bom dia querida!

    Tem tantas coisas importantes nesse texto que ficaria aqui falando o dia inteiro. A começar por esse relato lindo que você deu sobre Anthony Ray Hinton. Senti nas palavras dele a verdade e a leveza de agradecer simplesmente por estar vivo. Independente de qualquer coisa... Ele está certíssimo... Ser feliz independente de alguém e isso ele aprendeu duramente nesse tempo injusto na prisão.

    A segunda história igualmente linda. Um perdão simples como é o tema. Muito dificil mesmo como você falou, nos elevarmos à esses dois níveis. Mas podemos sempre ter atitudes, por menores que sejam para construir perdões em nosso coração, começando a ser grato por tudo que temos e não criar muitas expectativas em relação à coisas externas..

    E lendo seu texto percebemos mesmo que o perdão é construção dia a dia. Quando você fala que perdoamos uma comida atirada no chão, uma birra, etc... Está aí a construção do perdão aos filhos que cresce a cada dia.

    É super verdade Ana, muitas vezes a atitude ríspida tem a ver com o que estamos passando, ou vivendo no momento. Uma correria nos faz magoar, uma irritação, etc...
    E o perdão fácil e simples eu percebia sempre em Maria. Que mesmo tendo sido repreendia, chegava sorrindo e aconchegando no dia seguinte!

    O perdão é lindo... E tem que ser vivido intensamente com naturalidade, verdade e muita simplicidade. Para ser realmente válido e construtivo.

    Muito obrigada mais uma vez pelas lindas palavras em nossa blogagem. O carinho em valorizar essa interação.
    Obrigada pelos contos que você traz que sempre edificam.

    Beijos doces

    Tê e Maria ♥

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  6. Que linda foto, Ana.
    O perdão é uma palavra relativamente pequena, mas tão profunda e intensa, que quando compreendemos seus caminhos mesmo que difíceis, é também libertador...
    Não estamos no controle, e sempre penso que tudo que chega até nós, tem algo para ensinar, para responder nossas dificuldades e desafios da vida...
    Amei seu post, sua sinceridade, e o profundo aprendizado na história inicial... A vida é isso, precisamos fazer escolhas entre ficar preso na dor, paralisados no sofrimento, ou se libertar através do perdão...
    beijinhos doces,
    Ju

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  7. Um bom fim de noite Ana, quando entrei aqui já imaginava de como você desenvolveria o tema. Show de ilustração com este caso de perdão e assim fazer suas reflexões e depoimento com lucidez,, experiencia e sabedoria, de quem está na estrada a mais tempo e assim tem muito a agregar às novas e também aos marmanjos, sobre a difícil arte do perdão puro e simples. Gostei Ana.
    Sempre interessante ver o depoimento seu e da Chica.
    Um bom lindo fim de semana com cuidados e muita paz..
    Carinhoso abraço amiga.

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